
Tortura contra adolescentes acusados de delitos é tema de pesquisa
Um adolescente de 15 anos é acusado de roubo, com uso de arma falsa. Ele participa de audiência na Justiça de maneira virtual. E diz à juíza responsável que, no momento da apreensão, um sargento da Polícia Militar (PM) o agrediu com uma garrafada na cabeça e um tapa no rosto.
O adolescente mostra o hematoma e afirma que não entrou em luta corporal com o PM, nem tentou resistir à apreensão. “Ele disse que não gostou da minha cara e começou a me bater.”
Investigação negligenciada
Apesar de o adolescente dizer que pode reconhecer o agressor, de as lesões serem visíveis e de existir um laudo do Instituto Médico-Legal (IML), nenhum dos atores do sistema de justiça presentes – juíza, promotor, defensora e assessora da juíza – mobilizou-se para investigar o policial.
O caso é destacado na pesquisa Caminhos da Tortura na Justiça Juvenil Brasileira: O Papel do Poder Judiciário, feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre setembro de 2023 e setembro de 2024 em seis unidades federativas representativas das cinco regiões do país.
Procedimentos falhos nas audiências
Os pesquisadores observaram 185 audiências de apresentação nas seis unidades federativas. Em apenas 38% das audiências, os magistrados perguntaram aos adolescentes como foram feitas as abordagens e apreensões. E, em 18,9% dos casos, perguntaram diretamente sobre tortura ou maus-tratos.
Segundo a pesquisa, a minoria segue os procedimentos da Resolução 414/2021 do CNJ. Desse total de audiências, foram feitas 23 denúncias de tortura.
Violência e negligência
Os pesquisadores verificaram situações de tortura que deixaram marcas aparentes nos corpos dos adolescentes, além de consequências no estado de saúde mental. Na maioria dos casos, as agressões ocorrem durante abordagem ou apreensão do jovem e no deslocamento até a delegacia.
Os tipos de violência relatadas pelos adolescentes foram socos, chutes, asfixia, tapas, choques, afogamentos e atropelamentos. Foram usados mãos, pés, cassetetes, armas de fogo, alicates, teasers, spray de pimenta, paus e veículos automotores.
Perfil dos adolescentes
Em 88,1% das 185 audiências de apresentação pesquisadas, o adolescente era do gênero masculino, em 11,4%, feminino, e 0,5% (um caso) era trans. Quanto à raça ou cor, 51,9% eram pretos, 36,2%, pardos; e 10,3%, brancos. Somando pretos e pardos, são 88,1% adolescentes negros.
Em 60% dos casos, os jovens tinham de 15 a 17 anos no momento da audiência.
Audiências e conclusões
Após a apreensão do adolescente, são previstas apenas duas audiências e, em regra, em apenas uma, ele é ouvido: na primeira fase do processo de apuração do ato infracional, quando se apresenta ao juiz.
A pesquisa do Conselho Nacional de Justiça conclui que a tortura no sistema de justiça juvenil é rotineira, mas silenciada por falta de apuração e responsabilização dos agressores, o que indica omissão e conivência da Justiça.
É imperativo que o Estado brasileiro, em especial o Poder Judiciário, abandone a inércia e adote uma postura ativa e incisiva na proteção dos direitos fundamentais de adolescentes a quem se imputa a prática de atos infracionais.
Fonte: Agência Brasil
Já segue o macuxi nas redes sociais? Acompanhe todas as notícias em nosso Instagram, Twitter, Facebook, Telegram e também no Tiktok